Marcelo Pereira e a mulher, Fernanda, com Java, que era usada como reprodutora e passou por gestações traumáticas – Fernanda Dias / O Globo
Cada vez que um caso de maus-tratos a animais ganha repercussão nacional, a discussão sobre o assunto ganha mais vulto. Foi o que ocorreu este mês, após um homem ser flagrado espancando as cadelas da noiva no Rio. No entanto, esse tipo de crime não é pontual: somente em Niterói, 127 casos foram denunciados, em 2014, através da Linha Verde da Secretaria Estadual do Ambiente, que recebe informações sobre crimes ambientais. A Diretoria de Proteção Animal (DPA) da prefeitura de Niterói planeja treinar guardas municipais para atuar em ocorrências semelhantes. A ideia é que eles possam ir a endereços informados nas denúncias e conduzir os suspeitos a delegacias, quando for o caso, e resgatar os animais.
Ainda de acordo com informações da Linha Verde, só em janeiro deste ano foram 12 casos relatados, mesmo patamar do ano anterior. Os interessados em fazer uma denúncia anônima à Linha Verde devem ligar para 0300 253 1177. A Secretaria municipal de Meio Ambiente, através da DPA, também registra denúncias de condutas abusivas contra cães, gatos e outros animais domésticos. Segundo Marcelo Pereira, diretor do órgão, foram cerca de 40 relatos em 2014. As informações ajudam a equipe a montar operações como a que resultou na prisão de um casal especializado no furto de cães e aves em Santa Rosa, em abril do ano passado. Este ano, o foco dos trabalhos, realizados em parceria com a 77ª DP (Icaraí), será em estabelecimentos como pet shops e outros que vendem animais. Segundo ele, a principal dificuldade encontrada no combate a esse tipo de prática é configurar o flagrante.
“O maior número de casos de maus-tratos acontece nas próprias residências onde os animais vivem. Grande parte das denúncias é feita por vizinhos. Mas sabemos que existem muitas pessoas que testemunham, mas não têm coragem de denunciar, porque são conhecidos dos agressores. O importante é a testemunha conseguir muitas provas do crime, para que possamos agir com a polícia de forma segura”, instrui Pereira, citando fotos e vídeos como uma alternativa de reunir evidências.
Tramita na Câmara dos Vereadores a Lei Municipal de Proteção aos Animais, que aguarda apenas a aprovação em plenário para entrar em vigor. A nova legislação estabelece novas punições para esse tipo de caso e proíbe a venda de pets em locais públicos, criando multas para os abusos. Todo o valor arrecadado será revertido ao Fundo Municipal de Meio Ambiente e reinvestido em projetos de proteção animal. Assim que a legislação estiver em vigor, a DPA pretende treinar entre 20 e 30 guardas municipais para atuar nos casos de maus-tratos. O curso, com três dias de duração, vai ensinar os agentes como proceder para identificar e coibir esse tipo de crime.
Sequelas para toda vida toda
Animais que passam por esse tipo de situação guardam para sempre, no corpo e no comportamento, as sequelas da violência, que não se resume a agressões físicas. É o caso da buldogue Java, resgatada por Pereira após ser usada como matriz por uma criadora clandestina de cães. Encontrada fraca e traumatizada pelas sucessivas gestações, ela traz até hoje a cicatriz de uma mordida que recebeu no canil, pequeno demais para abrigar tantos cães.
“Encaravam a cadela como uma fábrica de filhotes”, afirma Pereira.
Casos de abandono e violência são rotina para protetores da animais como Carmenia Piraino Pimentel da Cruz, uma das fundadoras do grupo Arca, que atua na reabilitação de animais abandonados. Segundo ela, um dos casos emblemáticos para o grupo, que tem quatro anos de existência, é o da vira-lata Juju, resgatada em Icaraí.
“Encontramos a Juju numa casa abandonada. Eu mesma pulei o muro para ajudá-la. Ela era mantida amarrada por usuários de drogas que viviam por lá. Estava sem água e tinha diversas marcas de queimaduras, provavelmente de cigarros. Vizinhos disseram que ela latia há dois dias sem parar”, lembra Carmenia.
O grupo, hoje composto por seis voluntários, não costuma atuar em resgate de animais, mas acolhe os que estão em situação de risco. Atualmente, cerca de 15 animais são mantidos em uma hospedagem em Maria Paula, financiada com a contribuição de amigos e outros protetores. Cada cão é levado para receber cuidados veterinários e fica abrigado até que surja algum interessado em adotá-lo.
O presidente da Comissão de Defesa dos Animais da OAB-RJ, Reynaldo Velloso, quer que o Ministério Público proponha ações de dano moral coletivo em casos de maus-tratos.
“Queremos que, além da criminalização, os autores desse tipo de conduta sejam alvos de ações de dano moral coletivo, pois a sociedade é sujeito passivo, como mostra a grande repercussão nesses casos”, afirma.
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