Irmã Francisca, no barracão do gatil onde cuida de 300 gatos há cerca de três anos. Custo de R$ 3 mil por mês só em ração para os bichanos (Foto: Marina Silva)
Quando a voluntária Mariana Ribeiro, 56, sacode o saco plástico amarelo cheio de comida, os gatos se amontoam ao seu redor esperando que ela espalhe pelo chão pedaços de macarrão misturados com arroz, feijão e outros restos doados por um restaurante.
“Come também, bebê. Você só vai ficar olhando?”, diz ela para um gatinho acanhado, antes de depositar uma porção de comida na frente dele. Mariana ajuda Irmã Francisca, uma freira de 87 anos, a cuidar de 300 gatos do gatil criado pela religiosa há três anos, na Barroquinha.
A senhora baixinha, que anda com ajuda de uma bengala e os sapatos cobertos de pelos, cercou um terreno baldio com alambrado e transformou o local em um reino dos gatos. “Nem faço as contas de quantos já salvei. A minha luta é pela vida”, reflete a irmã.
Enquanto anda com dificuldade pelo terreno irregular, situado aos fundos de alguns prédios residenciais, vez ou outra a bengala esmaga o rabo de algum bichano, que sai do caminho miando. “Pretinho, Pintado, Zica e Treme-Treme. Todos atendem pelo nome”, conta ela. Todos os que têm nome, evidentemente, porque, segundo ela, todo dia chega gato por lá.
E assim como a entrada dos gatos, a taxa de mortalidade também é alta. “Todo dia, amanhece algum morto”, diz Irmã Francisca. Ao sentir um cheiro forte exalar de um dos pontos do gatil, Mariana complementa: “Tem algum gatinho morto por aqui, mas ainda não consegui encontrar”.
Dedicação
Irmã Francisca mora a alguns metros do gatil. E ela divide o apartamento de quarto e sala com 20 gatos. Todas as manhãs, por volta das 10h, a senhorinha sai de casa e se encaminha para o gatil com um carrinho de supermercado cheio de comida, medicamentos e outros utensílios utilizados nos cuidados dos animais. Tudo que dá para comprar com a aposentadoria de 1,5 salário mínimo.
A freira, que depois dos votos religiosos passou 20 anos em regime de clausura, resolveu sair do Convento da Lapa, onde vivia, para cuidar dos mais necessitados. “Faço um trabalho de evangelização com os sacizeiros, os mendigos e também os animais. As pessoas me chamam de Irmã Dulce dos Animais”, conta.
Nos últimos meses, a irmã tenta melhorar a estrutura do gatil, construindo um barracão de alvenaria, mas a Secretaria Municipal de Urbanismo (Sucom) esteve no local e impediu a continuidade da reforma. O órgão informou que vai analisar se a obra pode ser realizada.
Enquanto não faz as melhorias, um barracão de madeira e Eternit serve como abrigo dos animais para os dias de chuva. Lá também ficam os 18 potes de ração e quatro galões de dois litros, onde eles bebem água.
Nas paredes, um pequeno armário para guardar os remédios e algumas estantes. Os gatos estão por toda parte, a cada prateleira é possível ver o movimento repetitivo dos animais se lambendo.
Cerca de 20 voluntárias do gatil auxiliam a irmã na tarefa de alimentar, cuidar da epidemia de gripe que assola o lugar e passar pomada cicatrizante ao redor dos olhos feridos da maioria dos gatos.
“Descobri esse lugar porque vim atrás de uma gatinha da minha rua que eu alimentava. Quando cheguei, encontrei a Irmã Francisca e ela desabou a chorar porque não tinha comida suficiente para os animais”, lembra a professora de Filosofia Maíra Motta, 37.
Feira e arrecadação
Maíra, então, pensou em uma forma de ajudar os gatos e criou uma página no Facebook
chamada Gatil Irmã Francisca, para divulgar a Feirinha Felina que acontece quinzenalmente no Campo Grande. A próxima está marcada para amanhã, entre 14h e 18h.
O estande vende roupas, artesanatos e doa gatos por R$ 30. Todo o valor arrecadado é convertido para o gatil, que se mantém através de doações e precisa de cerca de R$ 3 mil por mês só para a ração — um saco de 25 kg dura dois dias —, além do necessário para comprar remédios para tratar os bichos.
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