A passos lentos, movidos pela fé, a caminhada de 70 quilômetros de Biguaçu até o Santuário Santa Paulina, em Nova Trento, foi mais do que uma peregrinação para um grupo de amigos dos bairros Saco dos Limões e Costeira, em Florianópolis. Caminhar foi a maneira que encontraram para homenagear o amigo Maury de Souza, que morreu aos 64 anos após um infarto fulminante no dia 13 de maio, quando começava a realizar o mesmo trajeto.
Na missa de sétimo dia, o amigo da família Jaime Spricigo propôs dar continuidade ao caminho, o que foi imediatamente aceito pelos familiares. E assim, sem muito preparo físico, mas com um propósito em mente, no dia 5 de setembro partiram 30 pessoas, entre caminhantes e equipe de apoio, em direção a Nova Trento. A saída do grupo foi no Km 198, em Biguaçu, local em que Maury faleceu. Uma celebração carregada de emoção marcou o início da jornada com a instalação de um marco em homenagem ao senhor.
As dores do corpo serviram para curar as da alma e dar força para a família durante o trajeto que Maury não conseguiu concluir, e a companhia de uma doce cadela tornou o árduo caminho mais agradável.
Quando percebeu que a cadela estava acompanhando, o amigo João Carlos dos Santos, conhecido como Caco, disse para o animal:
“Se tu completar o caminho com a gente, vou te adotar”.
Seguindo com o grupo, foi batizada com o nome Peregrina. Foram três dias de caminhada até a chegada em Nova Trento, e Peregrina se manteve firme. Ganhou um banho na primeira noite, e quando todos pararam para dormir em um hotel na cidade de São João Batista, bateu na porta do quarto de Caco até ganhar abrigo.
A esposa dele, Janete do Santos, que nunca foi muito chegada a cachorro, também se apegou:
“Ela era muito dócil, brincava com as crianças, caminhava o tempo todo e nem latia. Vi como um sinal de Deus”, contou.
Em meio a fortes emoções e a dor pela perda do pai, o filho Marcelo Vieira de Souza conta que Peregrina teve um papel muito importante para todos:
“Ela nos distraía, e inclusive participou da missa em homenagem ao meu pai, autorizada pela freira a entrar no Santuário”, disse.
Com o fim da peregrinação, Caco cumpriu a promessa, e junto com a esposa Janete levaram a Peregrina para casa, no Saco dos Limões.
Reencontro pelas páginas do jornal
Enquanto os “Peregrinos do Maury” enfrentavam as adversidade para chegar até o seu destino e depois comemoravam com emoção a conclusão da caminhada, uma família do bairro Serraria, em São José, procurava incansavelmente por sua cadela doméstica, a Pretinha, que havia fugido de casa no dia 4 de setembro.
Mariana Abreu, o marido Edson Luis e a filha do casal, Mônica, de 10 anos, distribuíram cartazes pela região, deram inúmeras voltas de carro e a única pista era de que um cachorro preto havia sido visto vagando próximo a BR-101. Foram dias de busca, até que uma protetora animal sugeriu a Mariana que mandasse uma foto para o colunista da Hora Mario Motta:
“A gente já não sabia mais onde procurar, estava perdendo a esperança, achamos que podia ter sido atropelada, pois ela é muito boba, quando a protetora deu a ideia. Mandei pro Mário e no mesmo dia que saiu eu recebi algumas ligações de pessoas oferecendo outros animais, até que a dona Janete me ligou por volta das 23h”, lembra.
Janete conta que uma vizinha, que não havia participado da caminhada mas conheceu a cadela que acompanhou os peregrinos, desconfiou que Pretinha fosse aquele cão do jornal. A esposa de seu Maury falou sobre o assunto no grupo de WhatsApp, gerando um grande debate, pois alguns não queriam devolver a cadela:
“Eu disse para todos pensarem no Maury e se colocarem no lugar dessa família que perdeu o cachorro. Meu marido era um homem muito bom, que agregava as pessoas, e tudo isso que aconteceu nos deu motivação para levantar a cabeça e seguir em frente”, disse emocionada.
O reencontro
O reencontro foi marcado para o dia seguinte no marco, em Biguaçu, com a presença de grande parte dos peregrinos. Assim que viu seus antigos tutores, o cão correu em direção a eles abanando o rabo e pulando de felicidade. Os peregrinos não tiveram dúvidas: Peregrina era mesmo a Pretinha.
Marcelo e os amigos contaram para o casal a história de Maury, dos dias de caminhada e do importante papel que a cadela teve para o grupo. Com aprovação dos tutores, Pretinha ganhou o sobrenome Peregrina, e a família de São José novos amigos:
“Já estamos combinando de fazermos um almoço pra gente manter contanto. Agora é guarda compartilhada”, brinca Caco.
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